Julia Murça – Empreendedorismo, Alimentação e Saúde

Diabetes – A silenciosa epidemia do século 21

Por que tratamos com tanta normalidade uma doença tão mortal?

Por conta da demora da apresentação ou percepção dos sintomas, a diabetes é considerada uma “doença silenciosa”. O que faz com que muitas pessoas não levem em consideração a gravidade desse mal.

Ela está entre as dez doenças que mais matam no mundo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o primeiro relatório global sobre diabetes em 2016, e as notícias não foram nada boas. Essa doença é simplesmente implacável. De 1980 pra cá, o número de diabéticos no mundo quadruplicou em uma única geração.

Mas como uma doença tão antiga se tornou a epidemia do século XXI?

 

Breve história da diabetes

A doença diabetes é conhecida há milhares de anos. O texto médico do antigo Egito Ebers Papirus, escrito por volta de 1550 a.C., foi o primeiro a descrever a condição de “passar muita urina”. Mais ou menos na mesma época, textos hindus falavam sobre a doença madhumeha, que, em tradução livre, quer dizer “urina de mel”. Os pacientes acometidos pela doença, em geral crianças, emagreciam misteriosamente. Apesar dos esforços para interromper o emagrecimento com a alimentação constante, a doença era sempre fatal. Uma curiosidade é que as formigas eram atraídas pela urina dos pacientes, que era sempre muito doce.

Por volta de 250 a.C., o médico grego Apolônio de Mênfis batizou o nome “diabetes” para se referir à micção excessiva. Thomas Willis acrescentou o termo “mellitus”, que significa “que vem do mel”, em 1965. Foi ele que estabeleceu a diferença entre a diabetes mellitus e a diabetes insipidus (doença rara causada por lesão traumática no cérebro).

No século I d.C., o médico grego Areteu, da Capadócia, fez a clássica descrição da diabetes tipo 1 como “o derretimento de músculos e membros na urina”. Isso resume a característica essencial da doença na sua forma não tratada: excessiva produção de urina e perda quase total de todos os tecidos.

Em 1776, o médico inglês Matthew Dobson identificou o açúcar como a substância causadora do sabor doce e observou que não apenas a urina ficava doce, mas o sangue também.

Em 1997, o cirurgião militar escocês John Rollo foi o primeiro a propor tratamento com alguma expectativa de sucesso. Ele observou melhorias substanciais nos pacientes que só comiam carne. Foi a primeira vez que se ouvir falar em dieta com baixíssimo teor de carboidrato.

Em outro extremo, o médico francês Pierre Piorry aconselhava diabéticos a comer grandes quantidade de açúcar para repor o que se perdia na urina. Tal método não foi bem sucedido e só deixava as pessoas mais doentes.

Apollinaire Bouchardat, considerado o pai da diabetologia moderna, criou dieta terapêutica baseando-se na observação de que a fome periódica durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870 reduziu a taxa de glicose em toda a população. Nessa proposta, os pacientes não deveriam usar nada de açúcar ou amido.

Em 1910, Sir Edward Shapey-Shafer propôs que a deficiência de um único hormônio – que ele chamou de insulina – era o responsável pela diabetes.

Na virada do século XX, o médicos conceituados norte-americanos Frederick Madisom Allem propuseram acompanhar a dieta dos diabéticos na falta de tratamentos eficazes. Eles perceberam que o pâncreas não dava conta de dietas exageradas e instituíram uma de baixíssima caloria na qual o paciente só tomava uísque e café preto.

Em razão da total ausência de carboidrato na dieta, ou seja, apenas o consumo de café preto sem adoçantes, o paciente eliminava por completo a urina no sangue. Quanto ao uísque, não era essencial, apenas mantinha o paciente mais confortável enquanto passava fome. A resposta dos pacientes foi diversa, alguns melhoraram milagrosamente e outros morreram – literalmente – de fome.

A descoberta do século foi, em 1921, por Frederick Banting, Charles Best e John Macleod, da Universidade de Toronto. Eles conseguiram isolar a insulina. Com essa histórica descoberta, todos acreditavam que a diabetes finalmente teria cura, porém não foi isso que aconteceu.

 

As raízes da epidemia

Na década de 1950, muitas pessoas, aparentemente saudáveis, estavam infartando com mais regularidade. Como toda história precisa de um vilão, a gordura alimentar foi escalada para o papel.

Os médicos começaram, então, a recomendar dieta de baixa ingestão de gordura. Cabe ressaltar que a gordura nos dá saciedade e a retirada dela da dieta aumenta consideravelmente a fome. Sendo assim, o consumo de carboidratos refinados cresceu significativamente.

Em 1968, o governo americano criou comitê para estudar a questão da fome e da má nutrição no país. Em 1968, foi publicado o primeiro relatório a esse respeito, dando às diretrizes dietéticas para norte-americanos, em 1980.

Essas diretrizes continham metas específicas de aumentar os carboidratos da dieta em 60% e diminuir as gorduras para 30% de calorias de consumo diário.

A dieta de baixa gordura foi proposta originalmente para reduzir os riscos de doenças cardíacas e infartos, mas inúmeras evidências refutam a relação dessas doenças com as gorduras saudáveis. Pelo contrário, as pesquisas avançam mostrando que, na verdade, essas doenças estão atreladas ao alto consumo de carboidratos refinados. E muitas das gorduras banidas, como as presentes no azeite de oliva, castanhas e abacate, são consideradas hoje benéficas para o coração.

Em 2016, o guia com as diretrizes dietéticas para norte-americanos retirou a restrição de todas as gorduras dietéticas da dieta saudável.

As gorduras sintéticas, ou trans, são tóxicas para o nosso corpo, diferentemente das gorduras naturais encontradas nas carnes e laticínios, assim como em alguns frutos, como azeitona e açaí.

Como não poderia deixar de ser, a instrução do alto consumo de carboidratos gerou duas questões desastrosas para nós, humanos: obesidade e diabetes, que, a partir de 1980, começaram a subir e nunca mais diminuíram, transformando-se na epidemia atual em que mais de 50% da população sofre com sobrepeso e outros milhões com a diabetes.

Veja, na figura abaixo, como a obesidade aumenta de repente. E dez anos depois, notamos ainda que a diabetes também começa a subir. Em 2014, esse número salta para 422 milhões de pessoas.

Hoje, estima-se que 9,3% dos adultos de 20 a 79 anos – 463 milhões de pessoas – vivem com diabetes e que 1,1 milhão de crianças e adolescentes com menos de 20 anos vivem com diabetes tipo 1.

A diabetes é implacável

A diabetes aumentou imensamente entre todos os tipos de pessoas, homens e mulheres de todos os grupos etários, étnicos e níveis econômicos. E isso está relacionado à orientação de alta ingestão de carboidratos.

Não se trata de uma epidemia americana, mas sim mundial.

Em 2019, estimava-se que, a cada oito segundos, uma pessoa morria devido a essa doença no mundo. A diabetes está associada a 11,3% das mortes globais por todas as causas entre as pessoas nessa faixa etária. Quase metade (46,2%) das mortes relativas à diabetes na faixa etária entre 20 e 79 anos está em pessoas com idade inferior a 60 anos – a faixa etária ativa.

Se nada mudar, a previsão é de que haverá 578 milhões de adultos com diabetes em 2030 e 700 milhões em 2045.

 

 

Como mudar o caminho?

Para transformar esse quadro, precisamos rever as diretrizes dietéticas da nossa sociedade. Uma dieta baseada em produtos industriais, com ingredientes refinados de alto índice glicêmico e muito açúcar, está adoecendo a humanidade. E é por isso que a alimentação baseada em alimentos integrais e com baixa quantidade de carboidratos é a saída.

O consumo de alimentos processados, refinados e açucarados deve ser a exceção, e não a regra.

Abundantes e acessíveis informações sobre como se alimentar não são suficientes para a mudança de hábitos alimentares, pois é um dos maiores desafios dos profissionais e agências de saúde da atualidade.

Estratégias focadas exclusivamente no indivíduo nem sempre são o bastante para a prevenção e controle da epidemia de doenças degenerativas. São necessárias ações conjuntas envolvendo profissionais de diferentes áreas: saúde, propaganda/marketing e educação, produtores de alimentos, órgãos governamentais, indústrias de alimentos, coaching e outras ferramentas.

Em razão da epidemia de doenças degenerativas decorrentes de processos inflamatórios, como a obesidade e a diabetes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs estratégia mundial de prevenção dessas doenças, via promoção de padrões saudáveis de alimentação e de estilo de vida ativo. E tudo começa diminuindo a quantidade de carboidratos, principalmente os refinados.